sexta-feira, 11 de março de 2016

SINTHOMA, SUPEREU E A MARCA EM FREUD

por Luiz Gonzaga Sanseverino Junior EBP/AMP

Parto da indicação de meu caríssimo e saudoso amigo, Marcio Peter de Sousa Leite, sobre o “Bloco Mágico” em Freud: “um brinquedo para crianças onde um celofane é superposto a uma superfície onde se escreve e quando se levanta o celofane, automaticamente se apaga o que está escrito. No entanto, sempre fica uma marca. Freud diz que o inconsciente é assim: o recalque apaga as inscrições anteriores, mas tem sempre uma marca material que fica e que condiciona traços do que é escrito posteriormente”. 
O caso Emma (1) pode funcionar como exemplo, pois se trata de uma garota ainda fora da fase sexual que, ao visitar um merceeiro, sofre bolinações sem se dar conta do acontecido por falta de maturidade simbólica. Sempre fica um resto. Ao alcançar sua puberdade, lembra-se do ocorrido, que aí sim funciona com força suficiente para causar trauma, produz marca quando ela percebe o que realmente aconteceu. 
Em 1896, na Carta 52, Freud pensa o “mecanismo psíquico” pela via da formação da memória. O interessante é que ele diz que “a memória não se faz presente de uma só vez, mas se desdobra em vários tempos; ela é registrada em diferentes espécies de indicações” (2). Cito Freud: “Gostaria de acentuar o fato de que os sucessivos registros representam a realização psíquica de épocas sucessivas da vida. Na fronteira entre estas épocas, deve ocorrer uma tradução do material psíquico”. (3) 
O que ele ensina é que, se a tradução não se faz, ocorrem as psiconeuroses, isto é, numa nova região ainda vigoram restos da anterior que obedecem às leis que comandavam aquele período vivido. Então, se acontece esta falha, o motivo do que é conhecido como repressão, Freud mostra que é sempre a produção de desprazer, o qual, gerando um distúrbio do pensamento, não permite o trabalho de tradução. A defesa patológica “somente ocorre contra um traço de memória de uma fase anterior, que ainda não foi traduzido”. (4)
 Penso isso como o que faz Marca no sujeito. 
Convém lembrar que o aparelho psíquico tem como função principal a tarefa de reduzir a excitação, causa de mal-estar ao sujeito. 
Retomo Freud na "Carta 52", onde ele pensa a noção de “fueros” (5), que indica quantidade de energia psíquica concentrada numa determinada região, incapaz de ser dissipada, e que formam as marcas, causa de desprazer. Isso pode ser pensado como “Fixierung” e aponta para o trabalho de análise via associação livre e sob o desejo do analista, que é o que fornecerá simbolização a este material, até o resto, em sua vertente literal, real, resto incapaz de ser simbolizado. 
Avanço em direção ao Último Ensino de Lacan. 
É muito interessante ver Lacan, a partir deste momento, pensar sua clínica de maneira radicalmente diferente. Aí já não existe mais o Outro e a direção do tratamento deve se orientar ao Real. Trata-se de visar às marcas no próprio falasser, isto é, o que restou das experiências traumáticas de sua história e que o condicionam, produzindo sua maneira singular de funcionar, seu sinthoma. 
Portanto, a que visa um analista quando interpreta? 
Visa ao significante/letra/marca de gozo. O ensinamento de Lacan de que existe um litoral entre o simbólico e o real, permite ver por que uma Psicanálise funciona. Ao se interpretar, via ato analítico, se visa à fonte de gozo do falasser. Desde Freud, sabemos que o importante não é o trauma, mas o que ficou registrado. O trauma em seu efeito marca o real. 
É visando à marca que se causa desejo no analisando de saber sobre seu sofrimento. Aí uma análise pode se iniciar. 
A marca é consequência, em lalíngua, do encontro traumático do significante com o corpo, gerando um acontecimento de corpo. 
O acontecimento de corpo deixa marca e condiciona o sujeito em sua vida e, às vezes, não é percebido. O trabalho de análise leva a uma redução disso que, no final, se encontra sob a forma de letra de gozo. O final de análise é lidar com isso que resta incurável em seu caso e ir em direção à vida, sabendo fazer aí com seu sinthoma. 
Portanto, o final de análise é alcançado a partir da construção de uma parceria entre o parletre e seu “sinthoma”, gerando como efeito a capacidade de saber fazer aí com o que resta incurável de seu caso, seu próprio gozo, resto de seu Supereu, efeito de suas marcas. Lanço mão da articulação de Lacan no seminário 23: “...se servir do pai com a condição de poder prescindir dele” (6), ou seja, poder encontrar e se servir da marca, com a condição de no final de uma análise, tomar uma certa distância disso e saber fazer aí. 
Assim, via ato analítico, via desejo do analista, acrescenta-se alegria, entusiasmo pela vida! 


Bibliografia
FREUD, Sigmund. A ProtosPseudos [Primeira Mentira] Histérica. In: Publicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas (ESB), v. 1 (1886-1899). Rio de Janeiro: Imago Editora, 1977, p. 464. (1)
 ______. Carta 52. In: Publicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas (ESB), v. 1 (1886-1899). Rio de Janeiro: Imago Editora, 1977,
 (2) p. 317. (3, 4, 5), p. 319.
______. Uma nota sobre o "Bloco Mágico". In: O ego e o id, Uma neurose demoníaca do século XVII e outros trabalhos. (ESB), v. 19 (1923-1925). Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976, p. 283-290.
LACAN, Jacques. O Seminário, livro 23: o sinthoma, 1975-1976. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2007, p. 131-132.(6)
LEITE, Márcio Peter de Souza. A teoria dos gozos em Lacan. Educação On-line. Publicado em 19 nov. 2001. Disponível em: . Acesso em: set. 2015.

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