sábado, 12 de novembro de 2011

Beleza Fabricada

* Texto retirado do livro Polêmicas Contemporâneas, capítulo Beleza Fabricada, coleção e SESC SP, Editora Lazuli, por Jorge Forbes.



Um dia, talvez quando os historiadores se debruçarem sobre os últimos vinte anos do século 20, notarão que uma das suas mais claras características foi o estabelecimento do "sem limite". Sem limite de distância, com a revolução da Internet; sem limite da cura, com novos medicamentos, clonagens, partos fabricados; sem limite da segurança, com carros blindados e guardas armados; sem limite da beleza, com plásticas estéticas e dermatologia cosmética. E esses historiadores constatarão um paradoxo: ao contrário do que o "bom senso" poderia esperar, não acompanhou esse formidável progresso uma taxa equivalente de felicidade e de bem-estar, ao contrário, o que se viu foi o crescimento dos quadros depressivos e das toxicofilias. Surpresa! O que aconteceu? Em um primeiro momento pensou-se que os novos métodos não traziam a almejada felicidade por estarem sendo sub-utilizados e, em conseqüência, tocou-se a multiplicá-los. Se um guarda é pouco, contratam-se dois, ou três, ao mesmo tempo que se transforma a casa em casamata, nada ficando esta a dever às celas de um presídio de segurança máxima. Conclusão: é a vítima em potencial, em seu afã de proteção, que acaba na cadeia, e, pior, por auto-aprisionamento.
Raciocínio semelhante pode ser empregado para os outros novos remédios tecnológicos. Tomemos a beleza. Descobriu-se que o botox tem propriedades paralisantes da pele que propiciam o desaparecimento das rugas, porta-vozes da velhice. O local onde é mais aplicado é na testa, fazendo-a ficar "lisinha" (sic), esse é o efeito pretendido. Ocorre que, ao ser aplicado no meio da testa, muda a expressão facial da pessoa, pois, as laterais estando livres, as sobrancelhas se arqueiam só nas pontas externas, reconstituindo, em anima-nobili (o nome acadêmico da espécie humana), os mesmos traços das terríveis bruxas das histórias em quadrinhos. Belas, sem dúvida, mas bruxas. Aí, para retirar o efeito bruxa, só aplicando um pouquinho mais de botox nas laterais. Pronto, agora não é mais bruxa, é só uma Barbie aparvalhada, com cara de vazio. Finalmente, é o prêmio de consolação, basta aguardar alguns meses para o botox ser reabsorvido, voltando tudo à velha forma; no caso do botox ainda dá para remediar.
Onde está o limite? Deslocadas pelas evoluções científicas de seu terreno chamado "natural", as pessoas sofrem hoje de uma verdadeira síndrome do "sem limite". Será que a única solução é o limite da dor, como quando uma pessoa se vê encarcerada em sua própria casa (ainda está na memória de todos a história do banqueiro que morreu queimado em seu banheiro superprotegido), ou de quando seu rosto perdeu a vida? Ou, ainda, seria uma solução marcar o próprio corpo na tentativa de fixar um limite? Da automutilação às tatuagens e aos piercings a fronteira é tênue.
O que esperamos é que a crítica esclarecida faça um trabalho de separação entre os formidáveis avanços científicos dessas últimas décadas e a ideologia a eles parasitária do tudo-pode, tudo-tem-jeito. Caberá a médicos e pacientes e, de uma forma mais ampla, a fornecedores e usuários, responsabilizar-se pelo estabelecimento de novos limites. Deverá se privilegiar aquilo que se quer e não o que se pode.
A época da globalização em que estamos entrando exige de cada um o exercício de seu próprio limite, que hoje em dia vem menos da "natureza" que da própria escolha responsável. É aquilo que eu quero que me restringe, e não o que o outro, o tempo, por exemplo, me impede de conseguir. Ah, mas não é nada fácil o exercício da expressão do querer. A pergunta: "Você quer o que você deseja?" é uma das mais difíceis de responder, tanto por mulheres quanto por homens. Mas isso já é assunto para um próximo artigo, porque também aqui há limite.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Preciso de você

* Artigo publicado na Revista Psiquê n°63, março de 2011, por Jorge Forbes.
A jornalista me pergunta impressionada a razão de novas pesquisas constatarem que, contrariamente ao que muitos esperavam, o povo da internet cada vez mais associa seus passeios na rede com a necessidade de estar junto. Esse fato relativiza as críticas morais que bradam ameaçadores avisos anunciando que o mundo estaria perdido, pois a www -  World Wide Web – seria uma teia perigosíssima que estaria aprisionando nossa pobre juventude, em um isolacionismo narcisista e emburrecedor.
Essa notícia chega ao mesmo tempo em que o Papa se precipita em condenar um aplicativo para smart-phones, através do qual o fiel antenado se confessaria on line, sem a necessidade de se ajoelhar na madeira dura de um confessionário escurecido por muitos pecados ali penitenciados. Ao menos dessa vez, ufa!, o Papa mostrou que “tá ligado”, pois a web não substitui a presença física.
Na mesma vertente, podemos falar da repetitiva pergunta se é possível fazer análise por skype, ou serviço semelhante, sem ter que se preocupar com o terrível trânsito das grandes cidades, bem como se garantir em ter seu analista à mão, ou melhor, na tela, entre um mergulho e outro, em uma ilha paradisíaca, do outro lado do mundo.
Não dá. Há um quê na presença física que é insubstituível. E se dizemos “um quê” é exatamente pelo fato de não podermos precisar o que é isso da presença física que não sabemos traduzir em nenhum idioma e por nenhum meio, razão pela qual não a podemos substituir, pois, como celebrou Michel Foucault: “a palavra é a morte da coisa”; se falamos de algo, substituímos o algo pela palavra e não precisamos mais dele.
Em um mundo que quebrou os paradigmas cartesianos de espaço e tempo, jogando-nos no furacão do ilimitado sem fronteiras, não há nada a estranhar na necessidade da presença física do outro, do corpo do outro, do seu enigma, do cheiro, cor, som, movimento, textura, olhar, que não sabemos traduzir em bytes. Esse enigma do outro é o remédio para a angústia tão atual, por nos termos visto transformar em habitantes de lugar nenhum.
Seis mil moças e moços geeks se acotovelaram por uma semana, em São Paulo, em uma festa chamada Campus Party. Seis mil!, em um pavilhão de exposições. É tão importante estarem juntos, que um nipo-brasileiro, morando ao lado do local da festa, trocou o conforto de seu quarto, por uma tendinha de campanha, verdadeiro elogio do desconforto.
A presença do outro nos remete ao mais essencial de nós mesmos. Se fôssemos honestos, parodiando Vinícius, jamais diríamos expressões do gênero: “no meu íntimo”. E isso porque o que nos escapa é exatamente o nosso íntimo. Diríamos, melhor, com Lacan: “no meu êxtimo”, sim, porque o meu íntimo me é tão estranho – quem já passou por uma análise sabe bem o que estou descrevendo – que melhor chamá-lo de êxtimo, clara alusão ao estranho e ao externo de si mesmo, que habita cada um.
Podemos nos livrar de muita coisa na vida, mas não da gente mesmo, em especial desse ponto íntimo desconhecido, promotor de nossas paixões, essa força estranha vivida na sensação do “mais forte que eu”. A presença física do amigo, do amado, do familiar, do próximo, nos reconecta com esse ponto fundamental, âncora de nossas existências, ponto transcendente de nossa imanência, se quisermos nos valer do discurso da Academia.
Nesse mundo de aparente tudo pode, e de em tudo estou, não por isso devemos nos assustar que ao lado do aumento dos acessos aos meios virtuais, vejamos crescer em paralelo os lugares de encontro físico, sejam eles campus parties, igrejas, consultórios, bares, cruzeiros. Os motivos são variados e o que neles se realiza, também, mas a necessidade é uma só: estar junto. Na era da pós-modernidade, onde o laço social das identificações é predominantemente horizontal, nos damos conta que o principal afeto, o mais fundamental afeto, é o da amizade. Cada pessoa precisa de alguém que o ajude a chamar o seu êxtimo, de meu íntimo.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Meus pais são bipolares

* Matéria do jornal A folha de S. Paulo, do dia 22/09/2011, de Contardo Calligaris.

O termo "bipolar" se tornou corriqueiro na boca dos adolescentes. Não é que eles citem diagnósticos psiquiátricos, no estilo "sabe, minha mãe toma remédio porque os médicos dizem que ela é bipolar".

Nada disso; para eles, o termo é a descrição genérica de um estado de espírito dominado por altos e baixos radicais. Além disso, muitos adolescentes acham que, hoje, ser bipolar é a regra.

Não acho ruim que termos clínicos se vulgarizem e entrem na linguagem comum. Só me preocupa o fato de que, às vezes, psiquiatras e psicólogos adotam essa vulgarização, confundindo a tristeza banal com o transtorno depressivo ou, então, variações do humor banais com o transtorno bipolar.

Com isso, claro, a indústria farmacêutica faz a festa, pois vende antidepressivos a pessoas que estão apenas tristonhas ou morosas e estabilizadores do humor a pessoas que são apenas mais alegres pela manhã do que à noite. Seja como for, talvez os adolescentes tenham razão. Talvez a bipolaridade, além de um transtorno para alguns, seja hoje um traço da personalidade de todos nós. Por quê? Um pequeno desvio para responder.

Existe um grupo de trabalho encarregado de revisar o "Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais", cuja quinta versão ("DSM V") será publicada em 2013. Esse grupo manifesta periodicamente suas decisões e seus pensamentos no site www.dsm5.org. Foi assim que em 2010, se não me engano, soubemos que o "transtorno da personalidade narcisista" sumiria da próxima versão do "Manual". Tanto mais bizarro que, aos olhos de muitos (assim como aos meus), a personalidade narcisista, longe de estar extinta, é a que melhor resume a subjetividade contemporânea. Antes de defini-la, vamos ver quais foram as reações.

A más línguas observaram que sempre somem os transtornos contra os quais a indústria farmacêutica não tem remédios para vender (não existe pílula para transtorno narcisista, enquanto existem várias para bipolaridade e depressão).

Outros, considerando que o transtorno da personalidade narcisista coincidiria com o espírito de nossa época, acharam normal que ele não fosse mais considerado como uma patologia.

Enfim, muitos psicanalistas (sobretudo alunos de Heinz Kohut e de Otto Kernberg, grandes intérpretes do narcisismo) protestaram, e eis que, numa revisão de 21 de junho passado, o transtorno narcisista reapareceu no "DSM".

Em síntese, o narcisista não é, como sugere a vulgata do mito de Narciso, alguém apaixonado por si mesmo ou por sua imagem no espelho. Ao contrário, o problema do narcisista é que ele depende totalmente dos outros para se definir e para decidir seu próprio valor: ele se orienta na vida só pela esperança de encontrar a aprovação do mundo.
Infelizmente, nunca sabemos por certo o que os outros enxergam em nós. Às vezes, o narcisista se exalta com visões grandiosas de si, ideias infladas do amor e da apreciação dos outros por ele; outras vezes, ao contrário, ele despenca no desamparo, convencido de que ninguém o ama ou aprecia.

Ora, a modernidade é isso: um mundo sem castas fixas, onde cada um pode subir ou descer na vida justamente porque seu lugar no mundo depende da consideração (variável e sempre um pouco enigmática) que os outros têm por ele.

Ou seja, a modernidade nos predispõe a um transtorno narcisista permanente e, no coração dessa personalidade narcisista (sina de nosso tempo), há uma oscilação bipolar.

O adolescente tem razão: a bipolaridade talvez seja especialmente manifesta nos pais. Como disse, na sociedade moderna, só somos o que os outros reconhecem que sejamos, e os pais não são uma exceção a essa regra.

Nem lei simbólica, nem legado divino, nem provas genéticas bastam para me transformar em pai ou mãe de meus filhos. Hoje, para eu ser pai ou mãe, é preciso que os filhos me reconheçam como tal, ou seja, sem o amor e o respeito de meus filhos, eu não serei nem pai nem mãe.

Consequência: todo pai moderno é condenado à bipolaridade, entre a felicidade de ser genitor e uma consternadora queda do alto dessa nuvem. Se ele tenta educar, corre o risco de não ser mais amado e, portanto, de não ser mais pai.

Se desiste de educar para ser amado, corre o risco de não ser mais respeitado - ou seja, novamente, de não ser mais pai. É isso: os pais são bipolares.
Hoje, a bipolaridade não é só um transtorno para alguns, mas um traço da personalidade de todos nós.

domingo, 10 de julho de 2011

Por que acaba um casal?

* Reportagem retirada do Jornal Folha de São Paulo, caderno Ilustrada, do dia 16/06/2011, de Contardo Calligaris.
No domingo passado, Dia dos Namorados, um amigo mandou flores para sua mulher com este bilhete: "Posso ser seu namorado ou continuo sendo apenas seu marido?".
A frase foi bem recebida. É que, para nós, "namorado e namorada" pode ser muito mais do que "marido e mulher". Em regra, nossa cultura romanceia o namoro, mas imagina o casamento como uma tragicômica "tumba do amor".
Na última sexta-feira, na Academia de Ideias de Belo Horizonte, durante um bate-papo com João Gabriel de Lima sobre meu último livro, ao falar de amor e casais, eu propus o seguinte: 1) todos tendemos a amarelar diante de nosso próprio desejo; 2) o casamento nos permite acusar alguém de nossa própria covardia - assim: eu quero fazer isso ou aquilo, mas tenho preguiça e medo; por sorte, agora que me casei, posso dizer que desisto porque assim quer minha parceira.

Uma mulher me lembrou, com razão, que até esse casal que vale a pena pode acabar. E perguntou: por quê?
Existe uma sabedoria popular resignada sobre a duração de um casal. Os sentimentos de um namoro viveriam, no casamento, uma decadência progressiva inelutável. E os casais continuariam unidos mais por inércia do que por gosto.
Alguns dizem que a rotina e a proximidade desgastam os sentimentos. Ou seja, o apaixonamento sempre é fruto de alguma idealização, e de perto ninguém parece ideal por muito tempo. Será que o remédio seria manter a distância para não enxergar as falhas do outro?
Respondo: amar não significa não enxergar os defeitos do outro, mas achar graça neles. Uma amiga perde um celular por semana; ela sabe que uma relação amorosa está acabando no dia em que seu homem, em vez de achar graça na sua desatenção, irrita-se com seu descuido.  
Outros acusam o tédio. A novidade (valor mor da modernidade industrial) seria o ingrediente essencial (e, por definição, efêmero) do casal feliz.Ou seja, felizes são só os recém-casados.
Respondo: todos nós, neuróticos, amamos a repetição e a praticamos com afinco. A rotina, portanto, não deveria nos afastar do amor.
Volto, portanto, à pergunta: por que um casal acaba? Levantei a questão no twitter, e @M_Angela_Jesus me escreveu que, segundo Anais Nin, os casais não morrem nunca de morte natural, mas por falta de cuidados, de atenções e de esforços.
A citação me levou a pensar nos meus próprios casamentos fracassados; não cheguei a resultado algum, salvo o fato de que não deveríamos chamar necessariamente de fracasso um amor que acaba; erigir a duração em valor é uma ideia perigosa, que pode transformar separações bem-vindas e necessárias em processos laboriosos e infinitos.
No meio dessas reflexões, no domingo, fui assistir a “Namorados para Sempre”, de Derek Cianfrance, que me tocou fundo, por ser justamente a história de uma amor que não é mais possível. Isso, sem que os protagonistas consigam saber por que “não dá mais”: nenhum deles é vilão da crise, e nenhum deles é capaz de dizer o que está errado e deveria mudar para que o casal tivesse uma chance.
A julgar pela idade aparente da filha, o casal do filme dura a mais ou menos cinco anos. Em cinco anos, os namorados que, no primeiro encontro, haviam dançado e cantado na rua, cheios de alegria e de encantamento, transformaram-se num casal de estranhos que se encaram antes de se enxergar.
O que aconteceu? Não há resposta. Essa é a força do filme, que acua o espectador a perguntar o que Fo que aconteceu a cada vez que ele ou ela amou, e o amor se perdeu.
Não é preciso que haja discordância brutal, traição ou desamor para que um casal se perca. Claro, é sempre possível racionalizar e apontar causas: no casal do filme, ao longo de cinco anos, talvez ela tenha crescido profissionalmente (como se diz) e alimente agora ambições que ele não pode compartilhar porque, para ele, o casamento e a filha continuam sendo as únicas coisas que importam. Pode ser.
Mas talvez o fim de um amor seja um fenômeno tão misterioso quanto o apaixonamento. Talvez existam duas mágicas opostas, igualmente incontroláveis, uma que fez e outra que desfaz.

sábado, 2 de julho de 2011

O que a psicanálise pode fazer por você?


Dentre as inúmeras formas de procurar ajuda diante dos impasses da vida, a psicanálise é uma dentre tantas. Acupuntura, regressão a vidas passadas, florais, psicoterapia cognitivo-comportamental, a lista é grande, mas a psicanálise não faz cadeia com elas. São muitas as diferenças que poderia citar entre a psicanálise e essas outras entidades, não digo as óbvias, pois claro que cada uma tem a roupagem a seu modo, mas frisarei a diferença estrutural entre elas, aquela que está na essência, aquela que movimenta o tipo de discurso da psicanálise.
Ao falar em psicanálise, é quase inevitável não retomar algo do seu criador, Freud, quando no final do século XIX enuncia que o homem não é senhor absoluto de seus atos. Há uma parte dele que lhe é desconhecida e que Freud chamou de inconsciente, algo nada fácil de aceitar. É neste ponto que nasce a diferença entre a psicanálise e o saber de outras teorias psicológicas, justamente a descoberta freudiana do inconsciente. Inconsciente, aqui, não diz respeito ao reverso simples de consciente, como na dupla oposta: acordado versus desacordado. Contudo é o inconsciente enquanto dinâmico, como os feitos que fazemos sem nos darmos conta. Por vezes, pessoas chegam ao consultório se interrogando por que algo sempre acontece com elas. Não à toa, essa repetição da qual outrora era creditada na conta do infortúnio, acaba por se transformar em uma questão de análise. Mas isso não é condição para que alguém procure um psicanalista. Procura-se um analista, pois algo vai mal na vida.
Se, então, há uma parte do homem inacessível a ele mesmo, cuja importância é tamanha por ser o local onde reside sua versão original, seus desejos, não é da prática do psicanalista dizer ao sujeito o que é bom ou não para ele, o que deve ou não escolher, com quem andar, o que vestir, pois o analista não é o modelo de humano a ser alcançado. A vida é feita de escolhas e essas não são sem consequências. Por exemplo, os arrependimentos de um sujeito são pontos que se voltará na análise e que tem a ver com o desejo. E esse desejo não é o do enunciado: Eu desejo ser rico ou Eu desejo um namorado, mas o desejo que é desconhecido dele mesmo por ser da ordem do inconsciente. Esse é o ponto que distancia a psicanálise e as terapias. O norte do psicanalista é dado pelo que Jacques Lacan chamou de Ética do desejo, que é dar espaço para esse desejo aparecer e não tamponá-lo com imperativos, assim preservando a singularidade de cada um.

terça-feira, 24 de maio de 2011

A angústia na pós-modernidade

       Atualmente, tornou-se muito comum as pessoas irem buscar ajuda nos psicofármacos, na verdade, não só o número de pacientes que buscam esse auxílio aumentou, mas como há também um número crescente de psicanalistas que encaminham seus clientes para que sejam avaliados do ponto de vista psiquiátrico. Para entendermos um pouco melhor esse fenômeno, é necessário olhar mais de perto o contexto atual denominado pós-modernidade. 
        Com o avanço da tecnologia em vários setores da atividade humana, inclusive da indústria farmacêutica, observa-se uma mudança na forma dos indivíduos lidarem com suas angústias. Aliado a essa gama crescente de medicamentos cada vez mais efetivos na remoção de sintomas e com cada vez menos efeitos colaterais, tem-se o pensamento científico que está muito presente. O discurso científico prega que os estados emocionais são derivados de reações químicas que acontecem no nosso cérebro. Ora, se isso é tido como uma verdade concreta e única, nada mais justo se tratar uma desordem psíquica com psicofármcos. Em outras palavras:

Do mesmo modo, se compreendermos o nosso psiquismo como a somatória de fatores bioquímicos, e toda angústia, todo sofrimento psíquico, como um desequilíbrio desses fatores, é perfeitamente coerente prescrever os psicofármacos como a solução universal para esse tipo de sofrimento. (TEIXEIRA, 2005)


            Com esse discurso, em que tudo passa a ser uma questão prática, um simples desequilíbrio na neurotransmissão, o simbólico passa a não ter lugar nesse pensamento.
           
            ...parece haver uma busca de um contato direto com o real, sem a mediação do simbólico e do imaginário. Haveria algo semelhante a um prescindir da linguagem, almejando alcançar uma linguagem do próprio real, escrita no livro da natureza, o qual tratar-se-ia apenas de saber lê-lo. Falar de sujeito nesse contexto, é completamente inútil. O que está em questão doravante não é um sujeito, mas sim as alterações no real do organismo a nível molecular ou celular.  (TEIXEIRA, 2005)

               
                Ou seja, há uma busca desenfreada em se ter um manual com as explicações do real as custas da singularidade dos sujeitos.  Seria difícil pensarmos em um individuo desprovido totalmente de imaginário. Um fato que confirma essa necessidade do sujeito de se preencher de sentido, é a crescente procura por religiões e o próprio crescimento e radicalismos das religiões cristãs. Isso porque, o grande desenvolvimento da ciência não produz nenhum sentido, ou seja, embora os resultados obtidos sejam concretos, eles não são assimiláveis pelo sujeito que necessita de sentido para a existência humana. (Lacan, citado em TEIXEIRA, 2005)
            Com esse convite tão chamativo da era pós-moderna, para que um indivíduo irá mergulhar nas profundezas de suas dores se ele pode contar com a pílula que irá como um passe de mágica remover todas as suas angústias? 
            O problema desse discurso científico é que ele vê o ser humano como um produto de fatores, genéticos, por exemplo, que determinam sua maneira de ser. Isso quer dizer então que sua sexualidade, ter predisposição ao abuso de drogas ou ter olhos escuros são características determinadas pelo código genético de cada indivíduo. O problema está exatamente no ponto em que esse discurso leva o sujeito a se ausentar da responsabilidade dele ser quem ele é. Pois suas características são a ação da genética. Assim sendo, o sujeito nada mais tem a fazer além de aceitar sua realidade.
            Já a psicanálise vê o sujeito como sendo determinado pelo seu inconsciente. E apesar desta neste ponto se aproximar do discurso científico, pois ambas fazem o sujeito refém de algo, a diferença primordial entre elas é que a primeira não exclui o sujeito da responsabilidade dele ser quem ele é. Para a psicanálise, o sujeito tem que assumir o encargo de seus atos, de suas escolhas para produzir alguma mudança na sua vida.

BIBLIOGRAFIA

TEIXEIRA, M. R.; Alcance e limites da prática psicanalítica no início do século; Vicissitudes do objeto. pág 223 a 232. Álgama Psicanálise Editora Ltda. Salvador- BA, 2005.

Leia a seguir o depoimento de Fernada Torres dado à Folha de São Paulo, no dia 05 /fev/ 2011.

Rivotril

Não sei se o homem das cavernas tinha mais ou menos ansiedade que um sedentário de meia-idade 

NUNCA FUI corajosa. Depois do nascimento dos meus filhos, o instinto de preservação quintuplicou minha covardia latente. Lutei contra a natureza por quase 20 anos, mas a maternidade me venceu por completo.
Li com inveja e espanto a notícia de uma mulher que desconhece o medo. A síndrome de Urbach-Wiethe destruiu sua amígdala, uma estrutura em forma de amêndoa situada no fundo do cérebro, e desarmou seus alertas internos de proteção e perigo.
Seria isso uma benção ou uma danação?
O fim do ano de 2010 foi especialmente difícil para mim e os meus. Mortes na família, doenças graves, decisões urgentes e infecções sorrateiras culminaram no funil esperançoso de Natal e Ano-Novo. O resultado foi um temor angustiado que virou o ano de mãos dadas comigo e se recusou a voltar a um nível tolerável depois de passadas as festas.
O processo ansioso, cego e insistente, o choro que alimenta o choro, levou muitos amigos a me aconselharem uma visita a um psiquiatra. O nome que mais ouvi, antes mesmo do telefone de um especialista, foi o do milagroso Rivotril. A panaceia me foi descrita como um unguento milagroso, capaz de cortar a sinistrose pela raiz.
Em “O Erro de Descartes” (Companhia das Letras, 336 pág., R$ 63), Antônio R. Damásio faz uma advertência contundente a respeito do uso indiscriminado de antidepressivos. Segundo o neurologista português, abrir mão da tristeza é dar adeus a uma das poderosas armas evolutivas responsáveis por manter a raça humana em estado de atenção. Anular a dor seria uma solução tão estranha quanto desligar o radar para não sofrer com a antecipação da tempestade.
Eu não sei se o homem das cavernas, correndo diariamente o risco de ser devorado por uma besta-fera, tinha mais ou menos ansiedade do que um sedentário de meia-idade que assiste às infindáveis hecatombes cotidianas pela TV. Talvez a luz elétrica e o computador tenham nos trazido mais frustrações do que amparo, talvez as paúras de uma vida tão afastada da feroz mãe natureza só se aplaquem mesmo mediante o uso de medicamentos, não sei.
Eu sempre desconfiei das bulas reguladoras do humor; do humor, do sono e do apetite. E foi com tal desconfiança que me dirigi à psiquiatra, uma mulher inteligente de quem ouvi uma explicação bastante convincente para os efeitos benéficos que um antidepressivo, ou um ansiolítico, poderiam me trazer.
O cérebro é um órgão dotado de uma impressionante capacidade de se remodelar. Graças à essa plasticidade, nos recuperamos de derrames graves, aprendemos a tocar instrumentos e agimos com rapidez diante de situações-limite. Os neurônios acionam novas sinapses, criam vias alternativas, ligam e religam circuitos conforme a necessidade.
Mas a persistência de um estado melancólico, por exemplo, potencializa determinadas correntes neurais, fortalecendo uma rede funesta que impede o surgimento de novas saídas para o espírito. Como um rio sobrecarregado em uma enchente, a força das águas foge ao controle da própria vontade e deságua na chamada depressão.
O remédio interditaria o pessimismo vicioso e daria chance ao cérebro de se rearticular. Convencida a derrubar a fundação do muro das lamentações, experimentei o famoso Rivotril pela primeira vez, adiando a investida no antidepressivo.
Passei três dias sonolenta e algo abobalhada, evitei dirigir. No terceiro dia, desestimulada e apática, achei que estava pior que antes. Decidi não recorrer ao medicamento na quarta noite e tive dificuldade para dormir. Quando cogitei tomar uma gota do elixir para ir ao encontro de Morfeu, os sinos de emergência badalaram soltos sob a pele.
Nunca tive problema de sono. Qualquer droga, lícita ou ilícita, que mexa com esse metabolismo me arrepia os cabelos. Fritei no lençol até cinco da matina. Passei o dia seguinte imprestável e, no outro, depois de uma noite bem dormida e sem sedativos, acordei refeita.
O Rivotril me ajudou. Ele agiu como um elefante branco que a gente põe na sala e, no dia que tira, sente um alívio inaudito; mas não resolveu. Sem o auxílio da farmacêutica, recorri a um amigo que insiste em estar vivo há mais de 74 anos.
“Finja! Crie um personagem e finja ser ele”, me disse Domingos Oliveira. “Quem enfrenta a realidade enlouquece, a única saída para a sanidade é uma dose de alienação. A arte é a única saída possível.”
Não foi bem pela arte. Meu escapismo atendeu pelo nome de Fernando de Noronha. O mar, os bichos marinhos, o sol e a natureza agreste reverteram violentamente os fluídos da minha psique.
Bem que a psiquiatra avisou que uma ação desse tipo também poderia dar certo.
fonte: Folha de S. Paulo (sab, 5 fev, 2011). Autora : Fernanda Torres

quarta-feira, 2 de março de 2011

Cardiologia e Psicologia: um encontro possível

Tive a experiência de trabalhar em um hospital de cardiologia da rede pública de São Paulo. Ao entrar lá, fiquei surpresa com a quantidade de pacientes e com a rotina incessante de toda a equipe. Com essa intensidade na jornada de trabalho, qualquer imprevisto era tomado como um obstáculo.


Apesar de se poder estar no hospital por uma mesma questão orgânica, cada paciente é singular em sua subjetividade. Logo, a forma como cada um reage diante a doença e seu tratamento é diferente. Os sentimentos, desejos, a fala, as fantasias e lembranças, o estilo de vida e de adoecer são particulares de cada pessoa. O encontro dessas subjetividades com uma rotina de trabalho exaustiva se dá não sem suas dificuldades. E é aí que a psicologia pode ajudar tanto os profissionais de saúde quanto o tratamento dos pacientes.

Muitas pessoas ao se depararem com uma doença cardíaca buscam o médico. Certamente esse é o primeiro passo. Mas a doença não afeta apenas o corpo. Desde o início dos tempos que os gregos sabiamente admitiram a relação entre os sofrimentos do corpo e do espírito. Espírito aqui se lê não no sentido esotérico, mas sim no que hoje se aproxima do conceito de mente. “A doença é um real do corpo no qual o homem esbarra, e quando isso acontece toda a sua subjetividade é sacudida” (Moretto, 2001 in Simonetti, 2004). Ou seja, quando os indivíduos se vêem doentes, eles como um todo sentem o impacto da doença.

É então que entra em cena o psicólogo, que oferece sua escuta para que o paciente possa falar de seus conflitos, de suas fantasias, de sua vida. E em se tratando de doenças que afetam o coração, as fantasias que decorrem desse órgão tão simbólico são inúmeras. O coração no imaginário popular é a sede dos amores, das angustias, dos desesperos, dos sentimentos. Quando o coração real adoece, as fantasias também são atingidas.

Há pacientes de transplante que fantasiam que com a troca de coração haverá uma troca de personalidade, assim ao receber um coração bom e novo, sua vida mudará para melhor. Há outros que temem receber um coração ruim, como o de alguém que possuíra uma índole não tão louvável, pois da mesma forma do primeiro caso, a troca de coração implicará na troca do eu. Essas fantasias dos pacientes de transplante evidenciam com clareza esse mecanismo de projeção, em que os aspectos psicológicos, muitas vezes inconscientes, ficam metaforizados no coração real.

As conseqüências disso estão também no tratamento. Porque um paciente faria um transplante uma vez que ele acredita que isso o deixaria pior? Ou porque um paciente faria um tratamento se não se “sente” doente? Um dos grandes entraves no tratamento de doenças crônicas do coração é a necessidade de mudanças primárias nos hábitos de vida, como alimentação, atividades físicas, tabagismo. E sempre que uma mudança desse porte está em jogo o tratamento costuma ser um processo árduo para os pacientes, pois exige uma mudança psíquica. Logo a parceria entre médico, paciente e psicólogo está dada. Mesmo nos casos em que o paciente entende sua doença orgânica do ponto de vista médico e seu tratamento, em um primeiro momento tudo na vida do paciente passa a girar ao redor da cardiopatia e tudo o mais perde sua importância. É necessário que o paciente fale, dirija seu discurso a um profissional que e o escute para que seu sofrimento seja simbolizado e sua angustia se dissolva. Assim, o paciente poderá se beneficiar não só de uma melhor qualidade de vida do ponto vista físico, como também do psíquico.



Bibliografia

SIMONETTI, A. ; Manual de psicologia hospitalar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Psicanalista vai ao cinema

Sobre o filme La Teta Asustada (Direção: Cláudia Llosa, 2009)

A história se passa no Peru e retrata uma realidade muito difícil da década de 1980. O filme começa com a mãe da protagonista cantando em seu leito de morte. Nesse canto, ela localiza a trama subjetiva em que ela e a filha estão inseridas. É a história de uma mulher que, a um só momento, presencia a violenta morte de seu marido e é estuprada enquanto carrega sua filha no ventre. Com a ajuda do imaginário da aldeia em que vive, essa mulher faz uma leitura muito particular desse fato: devido ao ocorrido, ela acredita transmitir para a filha uma “doença” ao amamentá-la. Tal doença é conhecida pelo nome de Teta Assustada. Reza a lenda local, que filhos que nascem de mães violentadas durante a gestação recebem seu medo através do leite materno. Fausta Isidora Janampa Chauca nasce nesse contexto.

Fausta também faz sua escolha. Escolhe viver uma história que lhe foi oferecida e que é anterior à sua existência. E, como toda história previamente dada a um sujeito, tem buracos onde há a possibilidade do sujeito aparecer. Não se trata de negá-la, já que é justamente algo que o constitui, mas de criar por cima dela para que ele possa aparecer enquanto ser ativo de sua própria vida. Fausta, entretanto, ao invés de aparecer pelos buracos de sua história, os preenche com uma “batata”, tamponando assim a possibilidade de se desprender desse lugar que lhe foi dado.

A metáfora da batata no filme é bastante elucidativa desse mecanismo: a protagonista vive com uma batata em sua vagina como uma proteção contra estupro! Ela coloca no real de seu corpo algo que tampone seus desejos e ao mesmo tempo o vazio. Mas essa escolha tem suas conseqüências, inclusive em seu corpo, com desmaios e sangramentos nasais. Como diz o tio ao médico de Fausta:

“ – Ela sangra desde menina, quando fica assustada. A mãe dela, que Deus a tenha, acaba de morrer. Por isso ela desmaiou. Ela enfrentou dificuldades na vila. Fausta nasceu durante o terrorismo. E a mãe lhe transmitiu medo através do leite do peito. É Teta assustada, como chamamos quem nasce assim, sem alma, porque ela se esconde na terra, de medo”.

Assim como uma batata, vive Fausta “escondida na terra”. Fausta presencia o final da conversa de seu tio com o médico, que dizia não existir tal doença, teta assustada. Mas, como numa conversa de surdos, termina com um mal entendido em que um não pode escutar o outro. E o tio sai da sala do médico indignado com o disparate da história de uma batata na vagina! E Fausta, que poderia nesse momento se fazer alguma questão sobre o que o médico diz, escolhe a batata.

Com a morte da mãe, sem dinheiro para bancar um enterro apropriado, Fausta vai à busca de um trabalho, o que para ela não era uma tarefa fácil, já que nunca saira do seio familiar. O contato com outras pessoas a deixa muito ansiosa. Em seu primeiro encontro com a patroa, ela vai se aproximando de mansinho, como um animal assustado, desconfiado e ao começarem uma conversa seu nariz sangra. Sai correndo e vai se limpar e canta:

“Vamos cantar, vamos cantar. Devemos cantar coisas bonitas para esconder nosso medo e fingir que ele não existe”.

“Medo” não é qualquer palavra para Fausta. Antes de seu nascimento, já estava dado seu contexto familiar e é a partir dele que lhe foi oferecido um lugar, o lugar de alguém que tem medo. Ela é filha de uma mulher que teve seu marido morto e foi violentada enquanto lhe gestava e por isso acredita-se que um intenso medo foi transmitido pelo leite materno. Essa é a história que é contada por sua mãe e que, por amor a esta, fixa-se à trama como um mero objeto da história da mãe. “Medo” a um só tempo a estrutura e a sufoca, pois ela o vive como se fosse a única forma possível de se viver.

Na convivência com outras pessoas, Fausta vai cedendo em seu medo e se abrindo para novas oportunidades. Começa a se aproximar de Noé, o jardineiro da casa onde trabalha, que aos poucos vai ganhando sua confiança, e de sua patroa, que lhe presenteia com uma pérola toda vez que canta para ela. Numa conversa , Noé questiona seu medo. Para ela, se trata de algo que não se escolhe ao que ele contra-argumenta, dizendo que a única coisa que não se escolhe é a morte. Este é um momento importante, pois a fala de Noé funciona como uma interpretação fazendo vacilar essa forma com que Fausta se apresenta ao mundo, de mulher medrosa. Outro ponto que vai nessa direção é a relação com a patroa, em que ela serve de outro à identificação feminina para Fausta. Os resultados disso é um crescente interesse de Fausta pelo mundo a sua volta e por pérolas.

O ápice do filme está no final, quando uma série de eventos vai de encontro à forma de vida que a protagonista leva. Primeiro, o episódio em que a patroa expulsa Fausta do carro, sem mais. O carro parte e ela vai atrás, reclamando suas pérolas. Pela primeira vez, se vê na situação de andar sozinha na rua, pois até então, só andava acompanhada, por conta do medo. Em seguida, ela falha na tarefa de enterrar a mãe e desculpa-se com o tio que, em princípio não diz nada mas, momentos depois, entra no quarto de Fausta e tenta sufocá-la. Entretanto, logo a deixa respirar e enfatiza que está viva, que respire! Desesperada, Fausta corre à casa de sua patroa e pega as pérolas prometidas. Regressando, desmaia na rua e o jardineiro a encontra. Ela desperta e pede que tirem a batata de seu corpo, como se já não pudesse suportar nem mais um minuto. Finalmente sua mãe é enterrada.

Fausta sai da terra! As últimas cenas mostram a virada que ela dá em sua vida colocando-se no mundo de uma forma mais ativa, como um ser desejante. O filme conta a história de uma jovem do ponto inicial em que está submetida ao desejo do Outro. Outro aqui entendido como a mãe, mas também a cultura, a fala local cujo texto a submete a esse local de “doente da teta assustada”. Com a morte de sua mãe, a vida coloca Fausta em situações em que ela não mais pode se esconder e então ela se reinventa. Assim, Fausta retira a batata de si e enterra a mãe, pois agora ela pode suportar ser um sujeito que tem suas faltas e portanto desejante. E isso a leva a ocupar uma posição subjetiva feminina, em que a batata não mais tem sentido, mas sim pérolas. Do medo ela fez pérolas ao passo que devolve à terra o que é da terra: a batata e sua mãe.

BIBLIOGRAFIA

LACAN, J., “O inconsciente e a repetição” in: O Seminário livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

LACAN, J., O mito individual do neurótico (1978). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008.

FILME

La Teta Asustada (2009). Peru. Direção: Claudia Llosa. Ganhador do Festival de Cinema de Havana e do Urso de Ouro de 2009.