domingo, 10 de julho de 2011

Por que acaba um casal?

* Reportagem retirada do Jornal Folha de São Paulo, caderno Ilustrada, do dia 16/06/2011, de Contardo Calligaris.
No domingo passado, Dia dos Namorados, um amigo mandou flores para sua mulher com este bilhete: "Posso ser seu namorado ou continuo sendo apenas seu marido?".
A frase foi bem recebida. É que, para nós, "namorado e namorada" pode ser muito mais do que "marido e mulher". Em regra, nossa cultura romanceia o namoro, mas imagina o casamento como uma tragicômica "tumba do amor".
Na última sexta-feira, na Academia de Ideias de Belo Horizonte, durante um bate-papo com João Gabriel de Lima sobre meu último livro, ao falar de amor e casais, eu propus o seguinte: 1) todos tendemos a amarelar diante de nosso próprio desejo; 2) o casamento nos permite acusar alguém de nossa própria covardia - assim: eu quero fazer isso ou aquilo, mas tenho preguiça e medo; por sorte, agora que me casei, posso dizer que desisto porque assim quer minha parceira.

Uma mulher me lembrou, com razão, que até esse casal que vale a pena pode acabar. E perguntou: por quê?
Existe uma sabedoria popular resignada sobre a duração de um casal. Os sentimentos de um namoro viveriam, no casamento, uma decadência progressiva inelutável. E os casais continuariam unidos mais por inércia do que por gosto.
Alguns dizem que a rotina e a proximidade desgastam os sentimentos. Ou seja, o apaixonamento sempre é fruto de alguma idealização, e de perto ninguém parece ideal por muito tempo. Será que o remédio seria manter a distância para não enxergar as falhas do outro?
Respondo: amar não significa não enxergar os defeitos do outro, mas achar graça neles. Uma amiga perde um celular por semana; ela sabe que uma relação amorosa está acabando no dia em que seu homem, em vez de achar graça na sua desatenção, irrita-se com seu descuido.  
Outros acusam o tédio. A novidade (valor mor da modernidade industrial) seria o ingrediente essencial (e, por definição, efêmero) do casal feliz.Ou seja, felizes são só os recém-casados.
Respondo: todos nós, neuróticos, amamos a repetição e a praticamos com afinco. A rotina, portanto, não deveria nos afastar do amor.
Volto, portanto, à pergunta: por que um casal acaba? Levantei a questão no twitter, e @M_Angela_Jesus me escreveu que, segundo Anais Nin, os casais não morrem nunca de morte natural, mas por falta de cuidados, de atenções e de esforços.
A citação me levou a pensar nos meus próprios casamentos fracassados; não cheguei a resultado algum, salvo o fato de que não deveríamos chamar necessariamente de fracasso um amor que acaba; erigir a duração em valor é uma ideia perigosa, que pode transformar separações bem-vindas e necessárias em processos laboriosos e infinitos.
No meio dessas reflexões, no domingo, fui assistir a “Namorados para Sempre”, de Derek Cianfrance, que me tocou fundo, por ser justamente a história de uma amor que não é mais possível. Isso, sem que os protagonistas consigam saber por que “não dá mais”: nenhum deles é vilão da crise, e nenhum deles é capaz de dizer o que está errado e deveria mudar para que o casal tivesse uma chance.
A julgar pela idade aparente da filha, o casal do filme dura a mais ou menos cinco anos. Em cinco anos, os namorados que, no primeiro encontro, haviam dançado e cantado na rua, cheios de alegria e de encantamento, transformaram-se num casal de estranhos que se encaram antes de se enxergar.
O que aconteceu? Não há resposta. Essa é a força do filme, que acua o espectador a perguntar o que Fo que aconteceu a cada vez que ele ou ela amou, e o amor se perdeu.
Não é preciso que haja discordância brutal, traição ou desamor para que um casal se perca. Claro, é sempre possível racionalizar e apontar causas: no casal do filme, ao longo de cinco anos, talvez ela tenha crescido profissionalmente (como se diz) e alimente agora ambições que ele não pode compartilhar porque, para ele, o casamento e a filha continuam sendo as únicas coisas que importam. Pode ser.
Mas talvez o fim de um amor seja um fenômeno tão misterioso quanto o apaixonamento. Talvez existam duas mágicas opostas, igualmente incontroláveis, uma que fez e outra que desfaz.

sábado, 2 de julho de 2011

O que a psicanálise pode fazer por você?


Dentre as inúmeras formas de procurar ajuda diante dos impasses da vida, a psicanálise é uma dentre tantas. Acupuntura, regressão a vidas passadas, florais, psicoterapia cognitivo-comportamental, a lista é grande, mas a psicanálise não faz cadeia com elas. São muitas as diferenças que poderia citar entre a psicanálise e essas outras entidades, não digo as óbvias, pois claro que cada uma tem a roupagem a seu modo, mas frisarei a diferença estrutural entre elas, aquela que está na essência, aquela que movimenta o tipo de discurso da psicanálise.
Ao falar em psicanálise, é quase inevitável não retomar algo do seu criador, Freud, quando no final do século XIX enuncia que o homem não é senhor absoluto de seus atos. Há uma parte dele que lhe é desconhecida e que Freud chamou de inconsciente, algo nada fácil de aceitar. É neste ponto que nasce a diferença entre a psicanálise e o saber de outras teorias psicológicas, justamente a descoberta freudiana do inconsciente. Inconsciente, aqui, não diz respeito ao reverso simples de consciente, como na dupla oposta: acordado versus desacordado. Contudo é o inconsciente enquanto dinâmico, como os feitos que fazemos sem nos darmos conta. Por vezes, pessoas chegam ao consultório se interrogando por que algo sempre acontece com elas. Não à toa, essa repetição da qual outrora era creditada na conta do infortúnio, acaba por se transformar em uma questão de análise. Mas isso não é condição para que alguém procure um psicanalista. Procura-se um analista, pois algo vai mal na vida.
Se, então, há uma parte do homem inacessível a ele mesmo, cuja importância é tamanha por ser o local onde reside sua versão original, seus desejos, não é da prática do psicanalista dizer ao sujeito o que é bom ou não para ele, o que deve ou não escolher, com quem andar, o que vestir, pois o analista não é o modelo de humano a ser alcançado. A vida é feita de escolhas e essas não são sem consequências. Por exemplo, os arrependimentos de um sujeito são pontos que se voltará na análise e que tem a ver com o desejo. E esse desejo não é o do enunciado: Eu desejo ser rico ou Eu desejo um namorado, mas o desejo que é desconhecido dele mesmo por ser da ordem do inconsciente. Esse é o ponto que distancia a psicanálise e as terapias. O norte do psicanalista é dado pelo que Jacques Lacan chamou de Ética do desejo, que é dar espaço para esse desejo aparecer e não tamponá-lo com imperativos, assim preservando a singularidade de cada um.