quarta-feira, 2 de março de 2011

Cardiologia e Psicologia: um encontro possível

Tive a experiência de trabalhar em um hospital de cardiologia da rede pública de São Paulo. Ao entrar lá, fiquei surpresa com a quantidade de pacientes e com a rotina incessante de toda a equipe. Com essa intensidade na jornada de trabalho, qualquer imprevisto era tomado como um obstáculo.


Apesar de se poder estar no hospital por uma mesma questão orgânica, cada paciente é singular em sua subjetividade. Logo, a forma como cada um reage diante a doença e seu tratamento é diferente. Os sentimentos, desejos, a fala, as fantasias e lembranças, o estilo de vida e de adoecer são particulares de cada pessoa. O encontro dessas subjetividades com uma rotina de trabalho exaustiva se dá não sem suas dificuldades. E é aí que a psicologia pode ajudar tanto os profissionais de saúde quanto o tratamento dos pacientes.

Muitas pessoas ao se depararem com uma doença cardíaca buscam o médico. Certamente esse é o primeiro passo. Mas a doença não afeta apenas o corpo. Desde o início dos tempos que os gregos sabiamente admitiram a relação entre os sofrimentos do corpo e do espírito. Espírito aqui se lê não no sentido esotérico, mas sim no que hoje se aproxima do conceito de mente. “A doença é um real do corpo no qual o homem esbarra, e quando isso acontece toda a sua subjetividade é sacudida” (Moretto, 2001 in Simonetti, 2004). Ou seja, quando os indivíduos se vêem doentes, eles como um todo sentem o impacto da doença.

É então que entra em cena o psicólogo, que oferece sua escuta para que o paciente possa falar de seus conflitos, de suas fantasias, de sua vida. E em se tratando de doenças que afetam o coração, as fantasias que decorrem desse órgão tão simbólico são inúmeras. O coração no imaginário popular é a sede dos amores, das angustias, dos desesperos, dos sentimentos. Quando o coração real adoece, as fantasias também são atingidas.

Há pacientes de transplante que fantasiam que com a troca de coração haverá uma troca de personalidade, assim ao receber um coração bom e novo, sua vida mudará para melhor. Há outros que temem receber um coração ruim, como o de alguém que possuíra uma índole não tão louvável, pois da mesma forma do primeiro caso, a troca de coração implicará na troca do eu. Essas fantasias dos pacientes de transplante evidenciam com clareza esse mecanismo de projeção, em que os aspectos psicológicos, muitas vezes inconscientes, ficam metaforizados no coração real.

As conseqüências disso estão também no tratamento. Porque um paciente faria um transplante uma vez que ele acredita que isso o deixaria pior? Ou porque um paciente faria um tratamento se não se “sente” doente? Um dos grandes entraves no tratamento de doenças crônicas do coração é a necessidade de mudanças primárias nos hábitos de vida, como alimentação, atividades físicas, tabagismo. E sempre que uma mudança desse porte está em jogo o tratamento costuma ser um processo árduo para os pacientes, pois exige uma mudança psíquica. Logo a parceria entre médico, paciente e psicólogo está dada. Mesmo nos casos em que o paciente entende sua doença orgânica do ponto de vista médico e seu tratamento, em um primeiro momento tudo na vida do paciente passa a girar ao redor da cardiopatia e tudo o mais perde sua importância. É necessário que o paciente fale, dirija seu discurso a um profissional que e o escute para que seu sofrimento seja simbolizado e sua angustia se dissolva. Assim, o paciente poderá se beneficiar não só de uma melhor qualidade de vida do ponto vista físico, como também do psíquico.



Bibliografia

SIMONETTI, A. ; Manual de psicologia hospitalar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.